Materiais Instrucionais de Alta Qualidade: Contextualizando experiência dos Estados Unidos – Artigo 2

Este é o segundo artigo da série Materiais Instrucionais de Alta Qualidade: Uma evolução de material didático? Para entender nossos motivadores, recomendamos que leia o texto de abertura. Neste artigo, trazemos contextos e diferenças importantes entre as políticas educacionais nos Estados Unidos e do Brasil relativas ao tema desta série.

Contextualização sobre as normativas curriculares dos Estados Unidos da América

Os Estados Unidos da América possuem uma realidade distinta da brasileira, com importantes diferenças organizacionais, embora ambos sejam países federativos de grandes proporções geográficas. Em geral, diferentemente do Brasil, o governo federal estadounidense possui menos influência e centralização em relação às políticas públicas no âmbito da educação.

No Brasil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o documento orientador curricular comum a todos os estados e municípios. O Common Core¹ se assemelha a BNCC no sentido de ser orientador, no entanto, as unidades federativas estadounidenses tiveram autonomia para decidir sobre sua adoção², além de poderem desenvolver padrões de aprendizagem³ próprios.

Nos EUA, o termo “material instrucional” se refere aos recursos que os professores utilizam para proporcionar experiências de aprendizagem aos estudantes. Os estados e distritos que aderiram ao Common Core iniciaram um movimento de adoção do que chamaram de Materiais Instrucionais de Alta Qualidade, ou seja, os materiais didáticos que trazem em seu escopo o alinhamento aos padrões de aprendizagem dos currículos. Falaremos mais sobre a definição deles no próximo artigo desta série.

Para saber mais

Destacam-se as instituições que estudam e acompanham a implementação do Common Core e que, por consequência, suas publicações se tornaram nossas fontes bibliográficas neste estudo. São elas: 

• RAND Corporation, instituição sem finalidade lucrativa que busca ajudar na melhora de políticas públicas por meio de pesquisas – que possui o American Educator Panels (AEP) (Painéis de Professores Americanos), que consulta regularmente mais de 25000 professores, 8000 diretores e 1000 distritos sobre as questões das políticas educacionais; 
• Council of Chief State School Officers (CCSSO – em português, Conselho de Diretores Escolares Estaduais), organização sem fins lucrativos que tem como objetivo apoiar gestores públicos. Possui a rede High-Quality Instructional Materials and Professional Development (IMPD), que é um grupo de trabalho formado por 13 estados⁴ (COUNCIL, 2022) apoiadores da implementação de políticas e iniciativas estaduais que influenciam na adoção de materiais instrucionais de alta qualidade; e 
• Southern Regional Education Board (SREB – em português, Conselho Regional de Educação do Sul), entidade interestadual formada por 16 estados⁵, que, dentre outros objetivos, busca ajudar formuladores de políticas públicas, provendo-os com informações e recomendações para a tomada de decisões.

Adoção dos materiais instrucionais

Nos Estados Unidos, os distritos normalmente são os responsáveis pela aquisição de materiais didáticos. Lá, não existe um programa de distribuição de livros didáticos na dimensão do Programa Nacional do Livro d o Material Didático (PNLD), que envolve centralização e investimento no governo federal, fazendo com que cada estado tenha autonomia para implementar as regras para a aquisição. Por tal razão, pode-se encontrar mais de um modelo de avaliação, compra e distribuição desses materiais. 

O levantamento feito pelo Center for American Progress (BOSER, 2015) indicou que dos cinquenta estados norte-americanos, dezenove possuíam processos internos para auxiliar os distritos na adoção de materiais didáticos com a elaboração de listas daqueles aprovados. Sendo que em nove⁶ desses estados, o processo tinha caráter mais impositivo, com os distritos sendo obrigados ou fortemente encorajados a seguir a lista de materiais aprovados; e em dez⁷, a lista tinha caráter mais sugestivo, podendo os distritos não a utilizarem para a aquisição de materiais.

Algumas entidades sem finalidades lucrativas foram inovadoras no desenvolvimento de ferramentas para auxiliar os educadores na escolha de materiais, são elas: Student Achievement Partners (Parceiros de Conquistas Estudantis), que desenvolveu Instructional Materials Evaluation Tool (IMET – Instrumento de Avaliação de Materiais Instrucionais); e Achieve (Alcançar), que desenvolveu o projeto Educators Evaluating Quality Instructional Products (EQuIP) (EquIP – Educadores Avaliam a Qualidade de Produtos Instrucionais). Posteriormente, foi fundado o Ed Reports, que usa Review Tools and Evidence Guides (Ferramentas de Revisão e Guias de Evidência) para fazer a avaliação de materiais, buscando determinar em que medida eles atendem aos padrões de aprendizagem do CCSSO, tendo como lema “feito por e para professores”. 

As ferramentas elaboradas por essas organizações podem ser entendidas como rubricas⁸, que visam auxiliar educadores, gestores e editoras no processo de desenvolver, avaliar ou comprar materiais didáticos, com o objetivo final de garantir o desenvolvimento do ensino e aprendizagem de alta qualidade da Língua Inglesa (English Language Arts), Matemática e Ciências. O aprofundamento do conhecimento e compreensão do Common Core pelos usuários desses instrumentos foi um efeito positivo decorrente da aplicação dessas ferramentas.

Para além da atuação de entidades do Terceiro Setor dos EUA, também houve a mobilização de estados buscando melhorar a qualidade dos materiais e garantir o alinhamento aos padrões de aprendizagem, organizados por redes como a High-Quality Instructional Materials and Professional Development Network (IMPD) da Council of Chief State School Officers (CCSSO) e a Southern Regional Education Board (SREB).

A atuação da rede IMPD

O trabalho da rede é oferecer insumos e suporte para que seus estados-membros consigam desenvolver e implementar um plano estratégico capaz de aumentar significativamente o uso de materiais instrucionais de alta qualidade e garantir que os professores tenham acesso a formações profissionais sobre o uso de tais materiais. Desenvolveram uma espécie de Manual de Implementação de Políticas Públicas (Policy Roadmap) (CHIEFS, 2021), que faz um compilado com as diferentes estratégias que os estados podem adotar. As estratégias giram em torno de: (i) comunicar e engajar, tendo informações claras sobre o que é prioridade para o estado; (ii) sinalizar às escolas do estado quais são os materiais de alta qualidade; (ii) oferecer incentivos, incluindo financiamentos, de forma que encorajem as escolas a adotá-los; (iii) ancorar o uso dos materiais instrucionais no desenvolvimento profissional dos professores; (iv) preparar os professores para identificar materiais de alta qualidade; e, por fim, (v) coletar e analisar dados de uso dos materiais (COUNCIL, 2021).

O estudo da RAND Corporation (KAUFMAN, 2021) sinalizou o aumento do uso dos materiais instrucionais de alta qualidade nos estados participantes da rede IMPD, possivelmente por impacto das ações de mobilização que a rede vem realizando.

Tendências dos estados da SREB

Em 2017, a SREB produziu uma pesquisa sobre o nível de direcionamento e apoio recebido nos estados da rede durante os anos de 2014-2015 e 2015-2016 para a identificação e o uso de materiais instrucionais de alta qualidade (SOUTHERN, 2017). O estudo focou em três âmbitos em que os estados do SREB atuaram: (i) o estabelecimento de parâmetros que auxiliem na construção de uma compreensão coletiva do que são materiais instrucionais de qualidade, (ii) o suporte a iniciativas locais, oferecendo orientação constante aos professores para identificarem materiais alinhados, a fim de reduzir o tempo e o esforço empregados pelos educadores na busca de materiais, e (iii) o uso de dados para melhoria contínua, criando rotinas de acompanhamento baseadas em dados para que se possa entender melhor o impacto dos materiais instrucionais (SOUTHERN, 2017). 

Em resumo

Preparamos um quadro comparativo com os principais pontos abordados neste artigo. Entender esses pontos é essencial para os próximos artigos da nossa série. Veja a seguir:

Quadro – Diferenças entre Estados Unidos e Brasil importantes para esta discussão.

Fonte: Elaboração própria.

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Referências citadas neste artigo

BOSER, Ulrich; CHINGOS, Matthews; STRAUS, Chelsea. The Hidden Value of Curriculum Reform – Do States and Districts Receive the Most Bang for Their Curriculum Buck?. Center for American Progress, 2015. Disponível em: https://cdn.americanprogress.org/wp-content/uploads/2015/10/06111518/CurriculumMatters-report.pdf . Acesso em: 23 de agosto de 2023.

CHIEFS FOR CHANGE. Incentivizing Smart Choices: How State Procurement Policies Can Promote the Use of High-Quality Instructional Materials, 2021. Disponível em: https://www.chiefsforchange.org/download-media/incentivizing-smart-choices-how-state-procurement-policies-can-promote-the-use-of-high-quality-instructional-materials/ . Acesso em: 23 de agosto de 2023.

COUNCIL OF CHIEF STATE SCHOOL OFFICERS. Impact of the CCSSO IMPD network, 2022.  Disponível em: https://753a0706.flowpaper.com/CCSSOIMPDCaseStudyImpact/#page=1 . Acesso em: 23 de agosto de 2023.

KAUFMAN, Julia H.; DOAN, Sy; FERNANDEZ, Maria-Paz. The Rise of Standards-Aligned Instructional Materials for US K-12 Mathematics and English Language Arts Instruction: Findings from the 2021 American Instructional Resources Survey. RAND Corporations, 2021. Disponível em: https://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/research_reports/RRA100/RRA134-11/RAND_RRA134-11.pdf  . Acesso em: 23 de agosto de 2023.

SOUTHERN REGIONAL EDUCATION BOARD. Alignment of Instructional Materials: Trends in State Efforts, 2017. Disponível em: https://insights.sreb.org/reports/instructionalmaterials.pdf . Acesso em: 23 de agosto de 2023.

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¹ O Common Core States Standards é um documento referencial curricular dos Estados Unidos que determina objetivos de aprendizado para Matemática e Língua Inglesa (Linguagens). Nele, é especificado o que os alunos devem estudar nessas disciplinas durante a educação básica.

² O governo federal estadunidense desenvolveu estratégias para incentivar a adoção do Common Core pelos estados. O CCSSO foi adotado por 45 estados em consequência de incentivos financeiros como parte do programa American Recovery and Reinvestment Act de 2009. Os padrões de aprendizagem não eram mandatórios, mas foram muito incentivados.

³ Nesta série, optamos por utilizar a tradução livre de “padrões de aprendizagem” ao nos referir aos “standards” do Common Core States Standards. Esses padrões descrevem o que os alunos devem aprender em Matemática e Língua Inglesa em cada ano escolar da educação básica. O equivalente a essa expressão no Brasil seria expectativas ou objetivos de aprendizagem. A BNCC tem uma organização por competências e habilidades; em um planejamento de livros ou de aula, elas podem ser desdobradas em expectativas de aprendizagem. Uma forma de fazer isso pode ser encontrada nas seguintes produções do Instituto Reúna, os Mapas de Foco e as Descrições de Aprendizagem do Avalia & Aprende.

⁴ 13 estados: Arkansas, Delaware, Kentucky, Louisiana, Massachusetts, Mississippi, Nebraska, New Mexico, Ohio, Rhode Island, Tennessee e Texas. Wisconsin foi membro até janeiro de 2022.

⁵ 16 estados: Alabama, Arkansas, Delaware, Flórida, Geórgia, Kentucky, Louisiana, Maryland, Mississippi, Carolina do Norte, Oklahoma, Carolina do Sul, Tennessee, Texas, Virgínia e Virgínia Ocidental.

⁶ nove: Alabama, Flórida, Hawaii, Kentucky, Novo México, Oklahoma, Carolina do Sul, Tennessee, Virgínia Ocidental.

⁷ dez: Califórnia, Geórgia, Idaho, Louisiana, Mississippi, Carolina do Norte, Oregon, Texas, Utah e Virgínia.

⁸ rubricas: Rubricas são instrumentos de avaliação formados por um conjunto de critérios que descrevem gradativamente os níveis de desempenho do que se está avaliando, indicando o atingimento ou não dos critérios, ou seja, elas permitem identificar o quanto o que se está avaliando está próximo ou distante do esperado.